Você tão cheia da própria vida não aprendeu a me amar.

Será que algum dia você soube amar alguém?

Você foge, conheço suas rotas de fuga e você também …

Saída de incêndio… Aqui está prestes a explodir.

Eu poderia passar a vida toda aqui… No seu calor. Mas e você?

Você sobreviveria a você mesma?

Ou a sua coragem é só a correr de tudo?

Me deleito mesmo assim

Eu vivo outra vida que você não conhece…

Eu vivo nos caminhos do mundo a me procurar,

Mas existem lugares secretos que eu habito

E por incrível que pareça, não são teus lábios.

O teu corpo é a materialização do meu desejo.

Mas além de ti, eu vivo.

Vivo tantas vidas que não cabe dizer.

Vivo aqui e ali.

Vivo você e tudo longe e oposto a isso.

Vivo o que ninguém vê,

O secreto é a minha matéria

E nela trabalho

Moldo o tempo

O barro do vaso onde faço crescer flores sem raízes

Os poemas que você não leu

E mais uma vez eu entro nessa…

Mas agora é diferente…

Parece que eu não consigo sair.

Agora o destino brincou comigo

E não há mais eu e você

A vida se quebrou como uma taça tão delicada

Um sopro que respira longe de mim

Me curvei às minhas próprias sombras e ninguém pode ver

Quem entenderia?

Mas eu sempre faço o impossível

E agora não vai ser diferente

Só mais difícil

Uma barrareira intransponível,

Vidas em fronteira

É como um rio que corta a vida

Sangra

É só silêncio

E um monte de vazio

Nem o brilho do sol aquece

Talvez…

Talvez um dia…

As coisas se encaixem

E eu possa sorrir de novo

E meus pés possam caminhar

Talvez a natureza me ajude

E o vento me beije

Borrando as tatuagens que sangram no meu peito

A despedida do agora

A morte é a vida invertida

É um outro lado do não ser

Onde há ausência

Vazio

Frio

Solidão

Dor

E, depois, o infinito

É sempre uma distância

É sempre algum sentimento longe que paira na atmosfera da vida cotidiana dos mortais

Um silêncio imenso em bocas secas

E sedentas de amor

Uma imensidão de memórias

Luz e sombra

A vida não é mesmo para principiantes

A vida de todos a nossa volta é uma extensão de nós

Somos todos e todos são em nós

Já dizia a sabedoria Umbutu.

Sobre séculos e o agora

Eu sou todas as pessoas pretas…

As crianças no semáforo, sou eu.

As mães que não podem cuidar dos seus próprios filhos

Os filhos perdidos pro tráfico

As negras escravizadas estupradas no balanço da rede, nas esteiras, no mato…

Eu sou as costas no tronco sangrando

O meu sangue corre nesse chão chamado Brasil

Eu sou o mengido preto no chão

O homem preto pisado, esmagado

Eu sou todas das mães negras que choram seus filhos

Eu sou todos os filhos e filhas sem mãe

Pai nem se fala…

Eu sou toda criança preta que morre

É meu sangue que jorra ali

Sou assassinada também

A bala, o estrangulamento, o chicote tem alvo, sou eu.

Kelane Oliveira

A vida e a morte

Donas da vida e da morte

Bruxas em belas faces escondidas

Sórdidas, enganam, dissimulam

O bem e o mal se curvam

Instinto e selvageria

A mulher que brota onde ninguém viu e vai aonde ninguém pode alcançar

Muito mais que sobreviventes das guerras seculares

Sendo a própria vida e a própria morte

Um novo mundo se faz quando uma mulher se descobre mulher

O olhar que atravessa

Sempre encontra

Um lugar impossível de ser tocado pelos meros mortais

Sempre distante mesmo aparentemente ali…

Tão incompreensível e imensurável são seus olhos de cigana oblíqua e dissimulada

O olhar de penumbra que se movimenta e mata.